terça-feira, 13 de novembro de 2018

Morre Leilane Assunção, a trans que fez da educação a própria história

Primeira professora trans em uma universidade pública do Brasil estava internada há 30 dias no hospital Giselda Trigueiro, sem bolsa de pós-graduação e em ala isolada

Militante das causas LGBTS e da descriminalização da maconha, Leilane Assunção sempre batalhou na vida. Ter se tornado a primeira professora trans em uma universidade pública do Brasil, ensinando na pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi uma vitória que não teve tempo para consolidar.
Sem bolsa acadêmica e com problemas financeiros, ela faleceu no Hospital Giselda Trigueiro às 5h desta terça-feira (13). Tinha 37 anos. Leilane está sendo velada na funerária Hortênsia, que fica na Avenida Alexandrino de Alencar, 753, Barro Vermelho, zona Leste de Natal. O enterro deve acontecer na manhã da quarta-feira (14).
Foi apenas aos 24 anos que Leandro começou a sua transformação em Leilane. De família de origem evangélica e com cinco irmãs, somente em 2011 conseguiu o direito de usar o seu nome social na UFRN. Antes usava o nome de batismo entre vírgulas, iniciando com a denominação que assumiu na vida: “Leilane, Leandro, Assunção da Silva”.
Com formação em história, onde foi aluna do curso na graduação, no mestrado e doutorado pela UFRN, Leilane estava internada há 30 dias depois de ter desenvolvido um quadro de anorexia que resultou em uma pneumonia. No último fim de semana sua saúde piorou e ela foi levada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde teve uma infecção, não resistiu e faleceu nesta terça-feira.
Desde que foi internada, a professora enfrentou uma série de dificuldades dentro do hospital. Ficou por dias em uma área isolada. Debilitada, Leilane ainda encontrou bastante forças para lutar e apresentou melhoras em alguns dias, mas morreu por contágio fúngico.
De acordo com a amiga Lina Albuquerque, que a estava acompanhando nos últimos dias, a historiadora era muito conhecida e querida na comunidade acadêmica pelas lutas que travava. Na sua tese de mestrado, defendida em 2006, Leilane escreveu sobre a trajetória da cantora Clara Nunes, trabalho que pretendia lançar em livro. Uma guerreira como ela. Um dos professores da banca lhe deu nota 2, mas passou com média 7 por causa da avaliação positiva dos outros dois integrantes da banca.
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Preconceito mesmo na universidade
Leilane atuava em movimentos sociais variados em defesa dos direitos humanos e liberdades individuais. Sua área de especialização acadêmica era em pesquisas históricas sobre o Brasil contemporâneo, com pesquisas também em história da arte. Em 2011, ela representou a professora Berenice Bento e recebeu das mãos da presidente Dilma Rousseff o Prêmio Nacional de Direitos Humanos por defender os direitos dos travestis e transexuais. Foi citada como “uma exceção em meio à exclusão”.
Ela estava afastada da UFRN porque havia entrado como professora substituta e o contrato só tinha duração de dois anos. Passou pelo concurso mais de uma vez, mas se afastou das salas de aulas para entrar no pós-doutorado. Em março deste ano, durante evento docente em Salvador, ela falou sobre o preconceito que viveu em 18 anos de universidade. “Talvez se tivesse seguido o caminho da prostituição, eu estaria melhor. Porque hoje minhas amigas que foram para Europa estão melhores do que eu, que estou desempregada com pós-doutorado”.
Mesmo no ambiente da UFRN, a luta pelo preconceito continuava. Em março de 2017, Leilane conseguiu na justiça o direito a uma indenização de R$ 15 mil por danos morais. Para conseguir ministrar suas aulas, ela dependia da vontade de uma servidora em entregar as chaves da sala, que informava, de forma recorrente, que “só abria a porta para professor”, não reconhecendo a condição profissional da transexual.
O Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA) da UFRN postou uma nota de pesar “desejando aos familiares e colegas os profundos pêsames”, além de citarem a perda pessoal e intelectual. Abalada com o falecimento, Telma Silva, aluna e amiga, disse que “Leilane era uma professora inspiradora para mim e partiu muito cedo devido ao desgosto de ser sabotada, mesmo tendo capacidade para ocupar os cargos que pleiteava”, disse.
Fonte: O Portal do Sistema Opinião 

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